AfrikaansArabicChinese (Traditional)EnglishEsperantoFrenchGermanItalianJapaneseKoreanLatinPortugueseRussianSpanish

Políticas Culturais, Luta de Classe e o Silenciamento dos Trabalhadores da Cultura

Como a estrutura do Estado privilegia os detentores do capital simbólico e financeiro, enquanto silencia aqueles que efetivamente produzem e sustentam a indústria cultural com seu trabalho.

Não há política cultural democrática enquanto trabalhadores e operários da cultura forem sistematicamente excluídos dos espaços de formulação e controle das políticas públicas que os afetam.

Na estrutura atual, observa-se um favorecimento sistemático aos gestores do capital cultural — grandes produtores, marcas, empresários, intermediários e agentes de mercado — em detrimento dos verdadeiros operários da cultura: artistas, autores, técnicos, pequenos produtores que vivem de migalhas de editais e trabalhadores informais. Essa assimetria de poder não é apenas injusta; é antidemocrática. Romper com ela é condição fundamental para construir uma política cultural que redistribua poder, não apenas recursos. Dar voz às entidades de classe dos trabalhadores da cultura é devolver legitimidade a um sistema que foi capturado por uma elite que, muitas vezes, sequer representa a diversidade e a vitalidade real do fazer artístico. Trata-se de uma luta essencial: desconcentrar o poder simbólico e financeiro, desmontar a farsa da representatividade empresarial e afirmar que cultura não é mercadoria, mas território de direitos.

Essa reflexão exige reconhecer que a transformação desse cenário não virá de concessões espontâneas do poder instituído, mas da ação organizada e crítica dos próprios trabalhadores da cultura. Nesse contexto, a SBAT — com sua história centenária de defesa dos direitos autorais e da dignidade dos criadores no teatro — pode e deve se afirmar como um agente estratégico de mudança. Ao reivindicar seu lugar nos espaços de decisão, não apenas como gestora de direitos, mas como entidade política de classe, a SBAT contribui para o redesenho de um sistema cultural mais justo, democrático e plural. Sua atuação, se articulada com outras entidades representativas, pode romper o ciclo de exclusão e recolocar o autor no centro do processo cultural, não como fornecedor de conteúdo, mas como sujeito político e produtor de sentido.

É difícil ignorar o abismo que separa, dentro do Estado, o prestígio concedido às associações de produtores e a indiferença dirigida às entidades de classe dos trabalhadores da cultura. Essa disparidade escancara uma escolha política que reflete, em última instância, uma visão capitalista da cultura: o poder público tende a reconhecer como interlocutor legítimo quem administra capital, não quem gera valor simbólico e trabalho. Os produtores falam com os Ministérios porque representam dinheiro, enquanto os artistas, autores e técnicos seguem silenciados, ainda que representem o sentido profundo da criação cultural.

Essa assimetria revela mais do que um problema institucional; expõe uma estrutura de dominação. O governo trata os trabalhadores da cultura com a mesma desconfiança histórica com que o capitalismo sempre tratou os operários organizados: como um problema, e não como um pilar. E não adianta disfarçar a lógica por trás disso com discursos sobre inovação, eficiência ou empreendedorismo criativo. No fundo, o que se vê é a consagração de uma velha regra: só tem voz quem tem capital. Só se negocia com quem apresenta retorno. As sociedades de autores e as entidades sindicais não são desprestigiadas por acaso — são deliberadamente mantidas à margem, porque representam direitos, reivindicações e contrapoder.

Há quem tente deslegitimar a crítica, dizendo que ela parte de uma leitura ultrapassada da realidade cultural. Mas o que há de ultrapassado, na verdade, é continuar fingindo que a cultura se organiza fora da luta de classes. A marginalização das sociedades de autores, das entidades de artistas e dos movimentos coletivos é apenas a repetição, no campo simbólico, da velha disputa entre capital e trabalho. E não se trata aqui de nostalgia doutrinária, mas de uma constatação prática: quando o Estado escolhe escutar apenas os que operam o capital cultural, ele incorre em grave violação do princípio da isonomia, distorce o espírito do direito autoral coletivo e reforça uma gestão pública que favorece poucos e ignora muitos.

Acreditar na função social da cultura exige, portanto, reposicionar os trabalhadores como protagonistas. A luta de classe como pilar da política cultural, longe de ser uma abstração, aparece aqui como uma urgência social: repensar o sistema cultural não a partir de quem lucra com ele, mas de quem o constrói com sua voz, sua palavra, seu corpo e sua história. É hora de lembrar ao Estado que as entidades de classe existem para garantir equilíbrio, justiça e dignidade — e que tratá-las como acessórios é, antes de tudo, uma forma de perpetuar o desequilíbrio jurídico e político que sustenta o sistema atual.

É tempo de romper o cerco imposto pelo capital simbólico: que o Estado reconheça, finalmente, os trabalhadores da cultura como sujeitos de direito e força política essencial — porque sem a luta de classes, não haverá justiça cultural, e sem justiça cultural, não haverá democracia real.

Fábio Rocha Pina
Mineiros, Goiás, 14 de maio de 2025

Compartilhe:

Facebook
WhatsApp
Twitter
Telegram
Email
Print
Pular para o conteúdo