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O grande circo ínfimo, por Wilson Coêlho

O título do espetáculo “O grande circo ínfimo” montagem do Grupo Z de Teatro, com a dramaturgia e direção de Fernando Marques, já nos coloca algumas questões. Primeiro, desafia o suposto antagonismo entre o grande e o ínfimo e, depois, o circo como uma palavra-chave ou cartografia do ser que transita a circularidade como percurso da angústia. O circo é a ciranda, o mundo rodando, passando por nós, andando em círculo. O percurso do ir sem ter para onde ir, um estar estando.

Mas não se trata de uma angústia psicológica e, tampouco, do ressentimento. Diz respeito a um estágio de consciência onde o niilismo se dá como possibilidade da busca. A busca do que não pode ser encontrado, mas como negação do imobilismo. É dizer que, aqui, o niilismo não pode ser confundido com a apatia, mas como aquilo que é afeto, considerando que só atribuímos qualquer juízo de valor a aquilo que nos afeta, seja amor ou ódio.

Não há espaço para a indiferença. Cinco personagens, cinco pontas da estrela, cinco artistas, o estrelato, mesmo que em decadência. Mas o movimento da decadência e da ascensão são pontos diferentes do mesmo.

No plano de montagem, estamos diante de algo muito simples, sem ser simplório. Eis aí a grandeza do espetáculo, considerando que o melhor ou o que realmente podemos considerar de uma obra de arte se dá justamente quando ela se revela, ou se deixa desvelar, para além dos elementos estéticos que a constituem. É como dizer que a eficácia de um cenário se dá quando ele se impõe pela negação para que o teatro se manifeste, não como representação, mas como interpretação. O mundo não existe a priori, mas é significante na medida em que é interpretado e tornado sentido como construção de valores.

Ao assistir “O grande circo ínfimo”, estamos diante do nada, do nada como possibilidade do que vai acontecer onde nada acontece. É uma verdade nua e crua comprometida com a forma com a qual se organiza. Não existe nem princípio nem finalidade. O que interessa é o meio, o vir-a-ser que é um movimento permanente em busca do espaço de onde se fala. Mas o lugar de onde se fala é um não-lugar, considerando que estar num lugar é afirmá-lo como negação de ser outro lugar. É o estático e o dinâmico, não como uma dicotomia, mas realizado nas cenas simultâneas entre os que ficam querendo afirmar e organizar o espaço e os que andam em busca de informações para simplesmente encontrarem o ponto em que tudo começou.

No que diz respeito à Poética, de Aristóteles, que se sustenta das unidades de ação: tempo e espaço, aqui se inaugura a negação do cânone aristotélico da unidade de espaço. Quanto ao tempo, também neste sentido o espetáculo “O grande circo ínfimo” estabelece a ruptura, pois aquilo que é, o que era e o que será se dão de maneira horizontal, onde não existe a tríade passado/presente/futuro.

Não existem nomenclaturas capazes de distinguir o ontem, o hoje e o amanhã, considerando que tudo acontece como etapas do mesmo. E se o tempo linear pode ser considerado a partir de três estados, aqui se inaugura o quarto, pois este é o estado privilegiado que está dentro e fora ao mesmo tempo. É neste quarto tempo – que não se reduz em passado, presente e futuro – que reside a possibilidade de interpretar o dentro e o fora. O dentro e o fora. A participação imediata e o distanciamento.

Enfim, mesmo que da perspectiva da dramaturgia há que se considerar a beleza do texto “O grande circo ínfimo”, este também acaba por referendar a ideia de que o texto é um pretexto para se fazer teatro.

O grande circo ínfimo
Dramaturgia e direção: Fernando Marques.
Assistente de direção: Carla van den Bergen.
Elenco: Alexsandra Bertoli, Daniel Boone, Fernando Marques e Carla van den Bergen.

Para assistir: https://www.youtube.com/watch?v=O-YPjmWt4Ks

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